Os agrotóxicos da classe 3, considerados perigosos, representaram 76,9% do total comercializado no Rio Grande do Sul em 2012. No mesmo ano, o Estado consumiu 5,7 quilogramas por hectare de área plantada. Em um período de 10 anos, entre 2002 e 2012, o uso de produtos químicos da agricultura brasileira mais que dobrou, saltando de 2,7 para 6,9 quilogramas por hectare, variação de 155%. Os dados fazem parte da pesquisa Indicadores de Desenvolvimento Sustentável (IDS), divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), e correspondem a uma razão entre a quantidade comercializada e a área planta por unidade da federação.
A periculosidade é dividida em ordem decrescente de quatro classes, sendo que a primeira representa os mais perigosos. No Brasil, os do nível 2 (muito perigosos) e 3 (perigosos) responderam pela maior parte, respectivamente, 64,1% e 27,7% entre 2009 e 2012. Na agricultura gaúcha, predominaram os da classe 3 (76,9%), enquanto os da 4 (pouco perigosos) corresponderam por apenas 0,46% do total. Segundo pesquisador do IBGE Rodrigo Pereira, a participação cada vez maior de agrotóxicos de periculosidade mais alta está associada ao uso do glifosato. "Trata-se de um herbicida usado nas lavouras de commodities para exportação, principalmente de soja", explica Pereira.
Para o pesquisador do Laboratório de Educação Profissional em Vigilância em Saúde da Fundação Oswaldo Cruz e um dos organizadores do dossiê da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco) sobre o tema, André Burigo, embora haja diversas explicações para o aumento da aplicação de agrotóxicos, todas estão associadas ao modelo agrícola incentivado pelo Brasil, baseado na exportação de commodities agrícolas. "Esse quadro está associado ao uso de sementes transgênicas. Todas as 39 variedades transgênicas liberadas de soja, milho e algodão foram modificadas para receber ou ter agrotóxico em sua própria estrutura", explica.
De acordo com Burigo, as estruturas brasileiras de regulamentação e monitoramento do setor são muito frágeis. Para exemplificar, aponta, a liberação de um produto em território nacional exige apenas estudos de impacto agudo, ou seja, sobre os efeitos da exposição de curto prazo à doses de agrotóxicos, sem levar em conta efeitos crônicos por um longo período de exposição. "Para completar, o único sistema de monitoramento com dados de consumo anual é do Ibama. Mas os relatórios são sempre divulgados com atraso de pelo menos dois anos. E só divulgam os 10 mais consumidos, sendo que o Brasil tem mais de 1,1 mil agrotóxicos liberados", destaca.
O Rio Grande do Sul, de acordo com o presidente da Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural (Agapan), Leonardo Melgarejo, segue a mesma tendência. "Todas as regiões onde predomina o monocultivo de larga escala com expansão da transgenia vem tendo uso crescente de agrotóxico", afirma. Segundo Melgarejo, as principais áreas de concentração de uso estão nas cidades de Passo Fundo, Ijuí e Santa Rosa, justamente as principais regiões produtoras de soja do Estado. "Aplicar um mesmo produto químico em um espaço geográfico durante períodos continuados altera as relações simbióticas, impactando negativamente a produtividade de longo prazo e a fixação de nitrogênio atmosférico, com capacidade de recuperação muito restritas", alerta.
De acordo com dados do Fórum Gaúcho de Combate aos Impactos do Agrotóxicos, composto pelo Ministério Público do Rio Grande do Sul e entidades do setor, o Estado consumiu 85 milhões de litros de defensivos durante a safra 2009/2010. Ou seja, 8,3 litros por habitante. Enquanto isso, a média brasileira foi de 4,5 litros por habitante no mesmo período. Os números colocam os gaúchos na terceira colocação entre os estados que mais consomem agrotóxicos no País, atrás apenas de São Paulo e do Paraná. Na região do Alto Jacuí, o uso salta para 33 litros por habitante ao ano.
Na visão do promotor do MP-RS Daniel Martini, o consumidor não é suficientemente informado sobre os compostos presentes no alimentos. "Trata-se de uma questão que ainda precisa evoluir bastante, principalmente na rotulagem. O consumidor precisa ser informado sobre a presença de agrotóxicos e transgênicos", opina. Segundo o dossiê sobre o uso de agrotóxicos organizado pela Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), mais de 65% dos alimentos in natura possuem resíduos desses produtos, sendo que, dessa categoria, cerca da metade tem quantidades de substâncias acima dos limites permitidos.
Para Martini, a legislação gaúcha para a comercialização desses itens é, de certo modo, restritiva, pois, além de exigir a liberação na Anvisa e na Secretaria de Meio Ambiente, possui uma norma específica proibindo a venda de agrotóxicos que tenham seu registro indeferido no seu país de origem. "Entretanto, temos ações judiciais aqui no Estado contra essa disposição, inclusive liberando alguns deles, como o Paraquat. Ou seja, temos uma legislação boa, mas com alguns revezes no poder judiciário", pondera Martini.
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