Uma estrada de chão esburacada e empoeirada abre caminho para um lugar especial no interior de Três Passos, na Região Noroeste do Rio Grande do Sul. Em meio ao campo, surge uma casa diferente. Um lar protetor, que exerce o papel de pai, de mãe, de famílias inteiras que se ausentaram e perderam a guarda dos filhos por determinação judicial. São casos de negligência, de abandono, de carência afetiva, maus-tratos e até mesmo de violência sexual. É um refúgio para quem, desde a infância, já não tem mais em quem confiar.
Desde a morte do menino Bernardo Boldrini, em abril do ano passado, o número de crianças recebidas pelo Lar Acolhedor mais do que triplicou. Eram seis no início de 2014. Agora, são 20, de dois meses a 17 anos de idade. O projeto existe desde 1999, mas o atual abrigo foi erguido há cerca de seis anos. Desde então, o que era para ser uma casa de passagem acabou se transformando em moradia permanente para muitas crianças e adolescentes à espera de novas famílias.
Antes do caso do Bernardo se abrigava apenas em casos extremos, de alto risco para a criança, como abuso sexual, violência. Agora, nós temos casos aqui apenas de falta de carinho da família, uma negligência, que poderia ser resolvida com uma conversa, uma conciliação familiar”, afirma a assistente social do Lar Acolhedor, Dorotéia Mahl. “A nossa função mesmo seria de casa de passagem. Mas nenhuma das 20 crianças que temos aqui tem perspectiva de adoção”, completa.
Dorotéia faz parte de uma equipe que conta ainda com 13 cuidadoras, nutricionista, médico, psicóloga e auxiliares administrativas. São quatro quartos, que separam a ala feminina da ala masculina e dos bebês. O sustento do Lar Acolhedor vem de diárias que são pagas por prefeituras da região. É este mesmo dinheiro que alimenta as crianças, vindas de municípios como Bom Progresso, Barra do Guarita, Esperança, Tiradentes, Campo Novo e Sede Nova.
“Aqui existem as mesmas regras que eles teriam em casa, com a família. Tem hora para acordar, tomar banho, café, ir para a escola, dormir. Eles saem para a aula bem cedo e só voltam no fim da tarde. Só ficam os menores, que ainda não foram para creche, e em caso de doença”, explica a assistente social. O transporte escolar é custeado pela Prefeitura de Três Passos.
Integrante da diretoria do Lar Acolhedor, Tayná Petry, que tinha laços quase familiares com Bernardo Boldrini, acredita que a casa tem cumprido seu papel. “A nossa responsabilidade é muito grande. Temos de ter uma atenção redobrada por causa do aumento destas denúncias. Mas temos uma equipe bem preparada para essas situações. O que tentamos fazer é minimizar os traumas porque extinguir os danos é uma tarefa impossível”, avalia.
O Conselho Tutelar de Três Passos admite que houve uma alta expressiva no número de denúncias na cidade e trata o caso de Bernardo como um “divisor de águas”. “Temos recebidos muitas denúncias. A comunidade se sensibilizou bastante. Mas acontece que, em alguns casos, são denúncias vazias, de birra das crianças com os pais, aí os vizinhos logo nos ligam. Crises de relação familiar que podem ser contornadas sem medidas protetivas”, afirma o conselheiro Nestor Weschenfeder.
Rua em homenagem a Bernardo
Na próxima segunda-feira (6), o município de Três Passos ganhará mais uma lembrança de Bernardo. A Câmara Municipal vai aprovar um projeto de lei que cria a Rua Menino Bernardo. Não por coincidência é a rua que dá acesso ao Lar Acolhedor, que desde a morte do garoto atende cada vez mais novos casos de maus-tratos e negligência familiar