Unir extremidades geográficas do território continental do Brasil não deveria ser algo difícil de acreditar. Nações maiores em área como a China, Rússia e EUA, atravessadas por linhas férreas há décadas, conseguiram reduzir custos às suas economias. A obra da Ferrovia Norte-Sul (FNS) promete isso, mas deixa razões para a dúvida. Por exemplo, a conclusão do trecho de 1.574 quilômetros, dos 4.290 km totais da FNS, levou absurdos 26 anos. É a linha Açailândia (MA) — Anápolis (GO). A última cerimônia festiva desse empreendimento incompleto foi em 2014. A então presidente Dilma entregou 855 km, de Porto Nacional (TO) a Anápolis. Essa obra, de R$ 4,2 bilhões vindos do PAC, completou os 1.574 km em quase três décadas.
Por estar no outro extremo do traçado da FNS o Rio Grande do Sul vai ter também que esperar. No momento está em obras a Extensão Sul da Ferrovia (Anápolis/Estrela d’Oeste, SP). Tem 699 quilômetros, orçados em R$ 4,9 bilhões. A conclusão é para 2016, mas sem certezas. Devido à crise na economia, nas finanças da União e aos cortes orçamentários, a Valec, empresa do Ministério dos Transportes e proprietária da Ferrovia Norte-Sul, não fixa prazo de conclusão da linha até Estrela d’Oeste. Na sua dimensão completa a FNS começa em Barcarena (PA) e termina no porto de Rio Grande (RS). Já na conexão Estrela d’Oeste/Porto de Rio Grande, chamada Prolongamento Sul, que possui 2.050 km, a Valec tem somente alguns trabalhos, não prazos.
Em agosto de 2015, por exemplo, o Estudo de Viabilidade Técnica e Ambiental (EVTA) do Prolongamento Sul foi apresentado na Fiergs pelo ministro dos Transportes, à época, Antônio Carlos Rodrigues. A análise custou R$ 9,8 milhões e cobriu 1.731 km dos quais 833 km no RS. Os trilhos desse percurso riscariam 82 cidades de quatro estados: 30 (RS), 14 (SC), 31 (PR) e oito (SP).
“Quando houver elaboração do projeto básico a diretriz será novamente examinada com muito mais precisão e detalhamento para determinação do eixo da via, e eventualmente poderá sofrer alterações localizadas. A diretriz se mantém”, diz a empresa do ministério. Falta, portanto, o projeto básico. Depois dele, tem ainda o projeto executivo. Em 2015 foi estimado o custo do Prolongamento Sul da FNS em R$ 8,3 bilhões. A Valec não endossa esse valor.
Falta projeto básico
Pronto desde o ano passado o caro EVTA, iniciado em 2012, sobre o Prolongamento Sul da ferrovia está no limbo. O governo chegou a anunciar um novo plano às demais etapas da FNS: fazer leilões nos quais a Valec construiria a parte mais difícil do traçado e o setor privado, as outras. A ideia seria examinada por três ministérios. Agora, porém, a bola voltou ao centro do gramado político. Os ministros com poder de decisão sobre o futuro dos novos trechos da FNS são outros: Transportes, Planejamento e Fazenda – o do Planejamento é apenas tapa-buraco do afastamento de Romero Jucá por efeito da Operação Lava-Jato. No seu discurso o governo Temer é enfático no uso das palavras “corte, reforma e aperto”, e tem destacado o vultoso déficit nas contas da União de R$ 170 bilhões na pauta de 2016. O prolongamento Sul da FNS, por isso, não aparenta que será prioridade do governo atual.
Outro risco é de todos os trabalhos já feitos caducarem. A obra exige vários pacotes de projetos e uma complexa engenharia financeira amarrada pela burocracia. Mesmo sem dar garantias sobre várias questões da FNS, a empresa do ministério dos Transportes prevê boa oferta de empregos, se um dia o Prolongamento Sul acontecer.
Cada lote tem 100 quilômetros de extensão de uma obra ferroviária do porte da FNS gera de 1 mil a 1,5 mil empregos diretos e 5 mil indiretos. Há ainda a grande movimentação econômica na região impactada pelas obras e os benefícios à competitividade da economia trazidos pela ferrovia depois de implantada. Só falta a obra.
Concessões seriam a saída
Coordenador do Conselho de Infraestrutura da Fiergs, o presidente do Sindicato da Construção de Estradas (Sicepot), Ricardo Portella Nunes, só vê saída ao Prolongamento Sul da FNS pela via das concessões. Mas o governo precisa garantir, mesmo, duas coisas: o projeto básico e a Licença de Instalação. “É a única forma de diminuir incertezas, garantir retorno e atrair interesse do investidor privado, que levantará o custo real dessa obra”, afirma Nunes. Na sua visão o governo Temer, com Moreira Franco próximo ao presidente, pode fazer isso.
No governo Temer, acredita Nunes, não deve sair do papel o Prolongamento Sul da FNS, mas ele pode deixar tudo pronto para a vinda dos investidores na próxima gestão.
O vice-presidente da Frente Parlamentar das Ferrovias, o deputado gaúcho Jerônimo Goergen (PP), vê salvação para a continuidade da FNS no trecho entre São Paulo e Rio Grande do Sul com a inclusão do traçado num programa de concessões ao setor privado. “Se depender de recursos federais, PAC e orçamento da União a obra vai levar 100 anos”, diz. Conforme Goergen, até 2008 a FNS ia até São Paulo. A batalha parlamentar no Sul do país era pela criação da Ferrosul, empresa pública para implantar ferrovia entre os estados do RS, SC, PR e MS, do Conselho de Desenvolvimento e Integração Sul (Codesul). A partir de 2009 a União incluiu o trecho na FNS, com o PAC
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