O problema de abastecimento de água em São Paulo tem alertado o Brasil para a gravidade da escassez dos recursos hídricos. Apesar de as autoridades assegurarem que o RS não corre risco, o Estado já passou por problema semelhante, ou pior. Porém, o racionamento em Bagé, na região da Campanha, em 2011 e 2012, não teve repercussão tão grande. Houve também restrição em São Leopoldo e Novo Hamburgo, para citar casos mais recentes. Criado pela ONU, o Dia Mundial da Água, comemorado neste domingo, serve para discutir os usos para o consumo, energia ou irrigação.
É difícil entender que enquanto parte da população convive com a estiagem, outra sofre com as mazelas das enchentes. Normalmente a Fronteira-Oeste gaúcha e a Campanha têm repetidos períodos de seca. Nos vales do Paranhana, do Caí e do Sinos, por exemplo, há frequentes alagamentos, além de épocas sem chuva. As regiões com menos volume de precipitação são, geralmente, mais continentais, longe do mar, pois têm menos umidade e muita evaporação. “A amplitude térmica é maior. O verão é muito quente e o inverno, muito frio. O mar tende a manter a temperatura mais constante”, explica o coordenador do Bacharelado em Física da PUCRS, Cássio Stein Moura. Ele fez um levantamento em centros meteorológicos sobre a situação do Estado e avalia como crítica.
Segundo ele, a deficiência de gestão da água trava o desenvolvimento. A ONU aponta que 72% da água no Brasil é usada para irrigação. Do restante dos 1.212 m³ de vazão consumida no país, 11% são para uso animal, 9% o consumo no meio urbano, 7% industrial e 1% rural.
Muitas áreas agrícolas estão nos locais onde menos chove. “Há falta de planejamento.” Uma das formas de contornar o problema é o uso de reservatórios, mas há outras fontes de captação pouco utilizadas.
Conforme Moura, consume-se basicamente água de superfícies, apesar de o RS ter o aquífero Guarani, um dos maiores reservatórios subterrâneos do mundo. Até 2020, pesquisadores da PUCRS mapearão o aquífero para estabelecer a melhor forma de uso. Com a técnica de magneto telúrico, será possível encontrar água em níveis mais profundos. Serão investigados riscos de contaminação e pontos de poluição. A água no subsolo seria suficiente para mais de 400 anos de abastecimento. “É uma grande alternativa, pois o fluxo é contínuo o ano inteiro.”
Áreas de expansão de irrigação monitoradas
Diante da seca e da água utilizada para agricultura, a ONU tem demonstrado preocupação com o abastecimento. Até 2025, a previsão é que 2 milhões de pessoas estejam em regiões sem acesso. A Agência Nacional de Águas e a Embrapa fizeram um levantamento da agricultura irrigada no Brasil. O estudo identificou 18 mil pivôs centrais (pontos de irrigação), ocupando 1,18 milhão de hectares, aumento de 32% em relação ao Censo Agropecuário de 2006.
Quatro estados concentram quase 80% da área ocupada por pivôs centrais no Brasil: Minas Gerais (31%), Goiás (18%), Bahia (16%) e São Paulo (14%). Esses estados contribuem para uma concentração de uso de pivôs nas bacias dos rios São Francisco, Paranaíba, Grande e Paranapanema – cerca de 350 mil, 300 mil, 100 mil e 90 mil hectares respectivamente.
A ideia é fazer comparações entre 2013 e 2014. Com os resultados, os principais polos de expansão da irrigação poderão ser monitorados mais amplamente. Ao mesmo tempo, no restante do país o controle poderá ter periodicidade bienal ou trienal. Aperfeiçoar as estimativas de demandas da água contribuirá para a elaboração de planos de recursos hídricos, estudos de Bacias críticas e publicações.
Não faltam soluções tecnológicas
Ideias criativas e soluções tecnológicas não faltam no Brasil para resolver a crise da água. A Ufrgs abriga o Instituto de Pesquisas Hidráulicas (IPH), referência em pesquisas na América Latina. Entretanto, há um caminho enorme entre a teoria e a prática. O engenheiro civil e professor do IPH Carlos André Mendes Bulhões, avalia que existe uma incapacidade política para implementar programas pensados na academia. “Esse é o principal gargalo”, diz, apontando que apenas 14% do esgoto no Estado é coletado e tratado. “A Europa tinha esse índice havia 700 anos”, declara.
O nível do problema é tão básico, segundo o professor, que a ciência para resolver é simples e de baixa tecnologia. Pouco se investe na ampliação da rede, diante do que é necessário e esse é um dos motivos para a falhas de abastecimento. Mesmo com a disponibilidade de água bruta, o sistema nem sempre consegue levar para as casas. “O Rio Grande do Sul é um dos estados mais ricos em termos de oferta d’água, diferente de São Paulo. Temos uma caixa d’água que é o Guaíba, mas aqui o problema é operacional.”
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