Doenças raras afetam 13 milhões de brasileiros

Doenças raras. O termo pode parecer assustador, mas, ao mesmo tempo, distante. Afinal, se elas são raras, as probabilidades de afetar um indivíduo também são escassas, certo? Não exatamente. Apesar do nome, as doenças raras afetam cerca de 13 milhões de brasileiros. A questão é que, mesmo que cada enfermidade desse tipo tenha uma chance em 1,5 mil de ser contraída, há mais de 8 mil doenças raras no Brasil, fazendo com que a possibilidade de ter um mal que se insere nessa categoria não seja assim tão remota.
 
Segundo o professor do Departamento de Genética da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs) e chefe do Serviço de Genética Médica no Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA), o geneticista Roberto Giugliani, em torno de 6% a 7% da população tem doenças raras. "Claro, há algumas que têm incidência de uma em cada 500 mil pessoas no mundo e aqui o percentual é de uma em cada 5 mil, como a Gandeosidose GN1, por exemplo. Aqui no Rio Grande do Sul, essa enfermidade, na qual a criança nasce normal e vai regredindo, falecendo com dois anos, a frequência é de uma para cada 17 mil pessoas. É rara. Porém, no resto do mundo é bem mais rara", explica.
 
Cerca de 80% das doenças raras têm causas genéticas. Por esse motivo, as enfermidades costumam se manifestar na infância, até os cinco anos, e é também pelo fator genético que os geneticistas têm maior predisposição a encontrar o diagnóstico. Contudo, a falta de geneticistas e laboratórios especializados no País provoca uma demora de até nove anos para uma pessoa descobrir do que sofre.
 
"O diagnóstico é um problema, pois a variedade de doenças é grande. O laboratório precisa ser especializado em muitas enfermidades diferentes. No Rio Grande do Sul, somente o Clínicas possui um centro de referência bastante completo, o único da região Sul", destaca Giugliani.
 
Fora do Estado, também há laboratórios especializados em doenças raras em São Paulo, Rio de Janeiro, Brasília, Salvador, Belém e Belo Horizonte. "Recebemos no hospital, buscando tratamento, pessoas de todo o Brasil e de países do exterior, como Chile, Argentina, Peru e Colômbia", relata o médico. O serviço de referência foi iniciado no Clínicas em 1982, e hoje conta com mais de 140 pessoas trabalhando exclusivamente com enfermidades raras. "É o grupo mais completo e desenvolvido do Brasil", diz o geneticista, orgulhoso.
 
Giugliani ressalta que o setor do HCPA atende aproximadamente 500 pacientes por mês, sendo 125 por semana e 25 por dia. "É muita demanda, pois o paciente com doença rara não é um paciente qualquer. Precisamos de uma consulta de pelo menos uma hora, para investigar a fundo e tentar descobrir o que ele tem", pondera.
 
Pela experiência do médico, o mais importante para acelerar o processo de descoberta da doença é tornar todos os diagnósticos acessíveis para os profissionais que trabalham com doenças raras, a fim de difundir as informações que já existem sobre as enfermidades para outros médicos. "Os laboratórios devem ter mecanismos para receber as informações e os doutores precisam ter essas informações disponíveis. Aqui no Hospital de Clínicas, temos a Rede MPS, que faz campanhas e capta recursos para prover gratuitamente diagnósticos de várias doenças", conta o geneticista, salientando que a quantidade de diagnósticos duplicou desde que ele foi implantado, em 2004.

Alto custo da importação de reagentes é um obstáculo para os pesquisadores brasileiros

Conforme o geneticista Roberto Giugliani, o governo federal tem oferecido incentivos em pesquisas com modelos em animais, principalmente camundongos, para estudos sobre tratamentos alternativos. Porém, uma das coisas que faltam, na opinião do geneticista, para que o Brasil possa competir com outros países é a facilitação de importação de reagentes.
 
"Quando vou importar reagentes, que são imprescindíveis para as nossas pesquisas, pago cinco vezes mais do que um pesquisador norte-americano, e o produto, que leva um dia para chegar aos Estados Unidos, leva quatro meses para chegar aqui", observa. A demora se deve a burocracias referentes à importação. Com a alta do dólar, a viabilidade de importar reagentes se tornou ainda menor. "Estamos tendo um prejuízo muito grande para a pesquisa, pois o nosso financiamento é em reais. Certamente, precisaremos cortar atividades que estaríamos desenvolvendo", lamenta o médico.
 
A possibilidade de os laboratórios brasileiros produzirem o próprio reagente também é difícil. "Não temos economia de escala suficiente para se tornar viável a produção. Teríamos mesmo é que ter leis que permitissem importação rápida, o que já seria um grande estímulo para trabalhar com essas doenças", afirma.
 
Apesar das dificuldades ainda existentes, no ano passado, o ramo teve uma boa notícia. Com a nova Política Nacional de Atenção Integral às Pessoas com Doenças Raras, instituída pelo Ministério da Saúde, o Sistema Único de Saúde (SUS) passou a contar com novos exames de diagnóstico e serviços para as doenças raras.
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