Trinta e um por cento dos cartórios extrajudiciais do Rio Grande do Sul são chefiados por interinos. Das 745 serventias, 231 tem alguém sem concurso público no comando. Geralmente são parentes dos titulares, que em grande parte dos casos já morreram, que estão no cargo pela demora na realização de concursos públicos ou por decisões judiciais.
Em 26 de agosto, os deputados federais aprovaram em 1º turno a Proposta de Emenda à Constituição 471, de 2005. Também chamada de "PEC Trem da Alegria dos Cartórios", a medida efetiva os interinos. Dos 26 deputados federais gaúchos na sessão, 18 votaram a favor da proposta, 7 contra e teve uma abstenção (confira como votaram os deputados abaixo).
Três dos dez cartórios de notas e registros gaúchos que mais faturam são ocupados por interinos. É o caso do líder do ranking, o Tabelionato de Protestos de Títulos de Caxias do Sul, que arrecadou no último semestre R$ 12.532.238,42. O oitavo que mais faturou no Rio Grande do Sul foi o 1° Tabelionato de Notas e Serviços de Registros Especiais de Canoas, com R$ 6.921.261,41 em meio ano.
Em 10º no ranking dos cartórios milionários do Estado está outro comandado por interino e também de Canoas. É o Cartório do Registro de Imóveis, com arrecadação de R$ 6.118.645,93 (confira o ranking abaixo). Os dados estão no site do Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
O chefe de um cartório extrajudicial é como se fosse um empresário. Fica responsável pelos custos do funcionamento das serventias e contratação de funcionários. As taxas, chamadas de emolumentos, ficam para o cartório, descontando impostos e um pequeno percentual para os tribunais.
Segundo a juíza-corregedora do Tribunal de Justiça gaúcho Laura Fleck, já houve três concurso públicos desde a Constituição de 1988, que acabou com a hereditariedade dos cartórios extrajudiciais e passou a exigir seleção para quem assume as serventias. Em 1989, foram seis vagas ocupadas. Em 2003, 45. Em 2004, 144 ingressaram. Neste caso, ainda há discussões judiciais no Supremo Tribunal Federal.
Há dois concursos em andamento. O que começou em 2013 já está em fase final, com prova oral marcada para novembro. Serão providas 162 serventias, 14 delas novas e 148 ocupadas por interinos. Outro concurso aberto neste ano vai preencher 78 vagas ocupadas por substitutos, com a primeira prova prevista para setembro.
Laura Fleck lembra que se a PEC for aprovada, os concursos terão de ser anulados.
"Se a PEC for aprovada, essas serventias serão consideradas providas pelos atuais substitutos e por tanto não estarão disponíveis para nomeação ou outorga da delegação pelo presidente do Tribunal de Justiça", explica a magistrada.
A magistrada defende a realização de concursos públicos para ocupação dos cartórios extrajudiciais e traça um perfil dos candidatos.
"São candidatos que participam do concurso público que são bastante qualificados. Alguns, inclusive, já são tabeliães, já são notários, já são registradores que estão em unidades menores e que querem concorrer por concurso público para serventias com maior rentabilidade. Mas há juiz federal, vários advogados. É um concurso que exige bastante qualificação.
O juiz federal José Baltazar Júnior foi aprovado em 1º lugar no concurso público para ocupar um cartório extrajudicial no Mato Gross do Sul.
"Eu sou juiz federal há 20 anos. Comecei a me preparar para esse concurso há três anos e fui aprovado em primeiro lugar no concurso do Estado do Mato Grosso do Sul. Concurso muito concorrido. Tinha mais de quatro mil inscritos", conta o magistrado.
Escritor, especializado em Direito Penal, José Baltazar Júnior ocupa atualmente o cargo de Titular da 7ª Vara de Porto Alegre, especializada em Crime Organizado, Crimes contra o Sistema Financeiro Nacional e Lavagem de Dinheiro. Acostumado a ser o mais justo no julgamento de seus processos, considera injusta a PEC 471.
"Nós temos uma situação de vários concursos, inclusive no Estado do Rio Grande do Sul, temos dois concursos em andamento, e assim em vários locais do país alguns concursos em via de finalização. Essas pessoas se inscreveram, se prepararam, fizeram concurso, estão agora em vias de assumir e nada disso vai acontecer em virtude da PEC. Se a PEC vier a ser aprovada, que eu espero que não aconteça", desabafa.
Ricardo Kling Donini é procurador da República em Blumenau. Também passou três anos estudando até ser aprovado em 3º lugar no concurso para chefe de cartório também no Mato Grosso do Sul. Lamenta a aprovação da PEC em 1º turno e teme que seja aprovada em definitivo.
"São 16 concurso em andamento no Brasil. E esses cartórios tem pessoas que estão lá porque o concurso nunca aconteceu. Com a PEC, tudo que está nos concursos vai embora", lamenta o procurador.
O presidente do Colégio Registral do Rio Grande do Sul, Mário Pazutti Mezzari, defende a realização de concurso público para ocupação das vagas.
"Essas pesoas não se qualificaram ou mesmo que tenham alguma qualificação pessoal e profissional elas não comprovaram essa qualificação no concurso público. Nunca se submeteram ao crivo do concurso público que é cada vez mais difícil", destaca Mezzari.
A PEC 471 ainda precisa ser aprovada em 2º turno na Câmara para depois seguir para o Senado.
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